Amanhã, oito de maio de dois mil e onze, é dia das mães. Não ligo pra data nenhuma. Natal, aniversário, carnaval, dia dos pais, das crianças, réveillon e essas porcariadas todas. Mas dias das mães pra mim é sagrado. Primeiro porque tenho uma mãe e tanto e sei que ela se importa com este dia. Importa-se com meu abraço, telefonema etc.
Lembro muito bem quando eu fazia aquelas lembrancinhas na escola e depois levava pra ela. Era o máximo que eu podia dar. Era um moleque vadio e ainda por cima bem pobre. Eu escondia e só entregava no domingo mesmo. Óbvio que ela sabia que eu iria fazer uma surpresa, porque todo ano era igual. E ela fingia muito bem que acreditava. Ela gostava, chorava e se emocionava pra valer. Eu não tinha noção. Achava que aqueles presentes feitos de papel e sucata eram um puta presente e pra ela era mesmo.
Eu entendi depois de adulto porque aquilo significava tanto. Ela perdeu a mãe com doze anos e nunca conseguiu fazer surpresas pra ela. Depois ela me teve e me ter foi uma fuga pra sua solidão e a realização de um sonho. Soa como egoísmo. Mas graças a isso estou aqui, às vezes escrevendo um punhado de coisas sem sentido nenhum neste blog. Às vezes tento acertar com ela, mas nem sempre dou conta.
Nunca vi a cara do maluco que embuchou minha velha. Ela sozinha deu um duro danado pra que eu não ficasse sem rango. Ela me contou que chegamos a dormir na rua, em construções etc. E me dava água com açúcar porque o leite materno tinha secado. Ela nem tinha o que comer direito, mas não me deixava sem. Depois casou com um japa que nunca foi muito com a minha cara, mas ele cuidou dela e hoje a gente até que se entende e gosto dele.
Bom, e segundo porque ser mãe, na minha intrometida opinião é uma dádiva, um privilégio que nós homens jamais teremos. É foda e por isso também faço tanta questão desta data.
Eu sai de casa com quatorze anos pra tentar me ajeitar na vida, arrumar uma grana e cuidar dela. Ainda não consegui e isto me frustra pra cacete. Mas é isto que me faz continuar tentando. É daí que tiro toda força pra seguir a cada dia.
Este ano passei dias de angústias e chorava calado aqui no meu quarto. Ela está numa região bem próxima da região onde ocorreram todas aquelas catástrofes na terra do sol. Ela ficou incomunicável por duas semanas e eu sem dormir esses dias todos. Eu não sabia o que tinha acontecido com ela. Isso doía um bocado. Tive notícias semanas depois, mas mesmo assim não conseguia vencer a angústia. Eu sentia um desespero em sua voz quando me ligava, mesmo querendo se passar por tranqüila. Eu acompanhava as notícias e via que as coisas estavam realmente se amenizando, mas tinha e tem a porra da radiação. Isso era um sufoco danado. O carma. Agora ta tudo em ordem. Pelo menos é o que parece. As notícias sobre Osama tomaram conta dos jornais.
A merda é que não vou poder passar o dia das mães ao seu lado este ano e nem sei se vamos conseguir nos falar. É ruim. Não consigo ligar pra lá.
Ela não precisaria passar por nada disto se as coisas já tivessem dado certo Por aqui. Ela ta lá no Japão tentando ganhar uma grana com o japonês que vive perdendo tudo em jogo. Eu gosto dele de verdade, mas fico puto quando ele apronta essas merdas e a minha pobre velhinha acaba pagando o pato junto. Pobre velhinha mesmo. Ta com quase sessenta e ainda rala naquela rotina de trabalho insano daquele país.
Acho que às vezes ela da uma fuçada no meu blog, mas eu não gosto. Não escrevo coisas que a agradem aqui. Isso me priva um pouco. Dei um tempo de escrever aqui por isso também. E ela nesta loucura toda deve ter desistido de lê-lo e nem sei se ela vai ler isto. Não me interessa. Resolvi escrever porque amo demais essa velha e porque meu olhos se encheram de lágrimas quando reli o texto que escrevi do último dia das mães que passamos juntos aqui no meu apartamento. Foi bem incrível.
Isso me fez lembrar da infância, da porra da inocência perdida. Dos dias nos parques, no circo, do algodão doce no zoológico, das pipocas e doces de amendoim nas festas juninas da escola e da vila. Da casa cheia de alegria e as festinhas de aniversário surpresa e as que a gente ajudava preparar. Ela adorava isso. Do meu mau humor por causa do sertanejo dela no talo. Daqueles poucos anos que vivi com ela. Das surras que eu levava na rua e dela me defendendo com unhas e dentes. Das surras até marcar que ela me dava com uma varinha do pé de amora. Eu tentando defendê-la de uma briga com o japonês, com uma espada de plástico que eu havia acabado de ganhar. Porra, nunca mais vai voltar. Eu paro por aqui. Tem algo entalado na garganta.
E desejo a todas as mães um Feliz dia das mães com seus filhos. Aproveitem pra cacete!
Amo você minha coroa.
E este é o texto que escrevi em sua homenagem no último dia das mães que passamos juntos.
ESTA COROA VALE OURO
Minha mãe passou os dias das mães aqui em casa comigo. Fui mais presenteado do que a presenteei. Desde moleque sempre ficamos muito distantes. Coisas da vida. Enquanto ela ia tentando acertar a vida eu morava com uns tios e tudo mais. Ela casou e já me tinha. A família do seu novo marido não aceitava muito a situação. Então pro negócio ir se alinhando, eu passei uma parte da infância em Taubaté com suas irmãs. Devo ter ido morar definitivamente com ela aos cinco ou seis anos de idade.
Com 14 anos eu já tinha decidido morar fora pra estudar em outra cidade. Fui. Quando me formei, ela foi morar fora do país com o marido e o outro filho. Dai em diante, conseguimos nos ver vez ou outra. Eu continuei rodando e hoje estou em São Paulo. Há quase 10 anos. Vida nômade. Quase 15 anos se passaram e ela está de volta. E sempre que pode vem ficar uns dias comigo pra fugir da rotina interiorana, casamento saturado etc. E ter a companhia um do outro.
É emocionalmente desequilibrada, mas é a pessoa mais figura que conheço. No café da manhã já abre logo uma latinha de cerveja e só pára pouco antes de dormir. Nem comida ela bota pra baixo. Não sei como consegue. Fuma que nem um gambá. Acho que o organismo dela já está invulnerável.
Mês retrasado veio pra passar um dia comigo e acabou passando sete. Veio só com a famosa bolsa de mulher. Sem roupa nenhuma. Pegou meus moletons emprestados e tudo mais. Sou bem maior do que ela. Ficava parecendo vocalista de Hip-Hop nas minhas roupas. Andando pelo quarteirão encontrou umas coisas baratas e descartáveis pra vestir e assim foi.
Acordava cedo, preparava o almoço, pegava uma cerveja e descia. Sentava na frente do prédio com o Jair. O Jair é um cara legal que vem todos os dias pra cá. É aleijado das pernas. Nasceu assim. Todos da região estão acostumados com ele. O pessoal passa, o cumprimenta, bate um papo e deixa uma moeda. Sujeito alto astral pra caramba. Carismático. Minha mãe pagava umas brejas pra ele e ficavam lá a tarde toda dando risadas.
A coroa estudou pouco na vida, mas é capaz de fazer qualquer um rir. Quando exagera na bebida fica um pouco pedante e agressiva. É de longe a pessoa mais acolhedora que conheci até hoje.
Tinha acabado de tirar a carta de motorista. Eu devia ter uns 9 anos. Moravamos em Campinas. Ela me acordou de madrugada chorando. Encheu o carro de comida e cobertor. Era uma noite de inverno. E me fez ir com ela até o Taquaral um parque parecido com o Ibirapuera, pra deixar aquelas coisas pra uns moleques que ela tinha conhecido na rua naquele dia. Quando os viu jogado na calçada, começou a chorar, os abraçou, cobriu-os com os cobertores, deixou comida, falou um pouco e quando eles voltaram a dormir, partimos. E aquilo nunca mais saiu da minha cabeça. E muita coisa em mim mudou por causa disso. Ela deve ter lembrado a infância dura que teve na rua. Ficou órfã total com 13 anos e dai teve que se virar. Passou fome e a merda toda.
Não quer que ninguém passe pelo que passou. Não me assusta o seu desequilibrio emocional, mas tem hora que é foda de aguentar. Apesar de tudo, é a pessoa mais especial da minha vida. A única coisa que quero é que ela dure muitos anos ainda, pra eu poder de alguma forma retribuir a tudo que já me fez. Pra eu poder ter sua companhia sempre por perto. Porque até que enfim agora vamos conseguir passar mais tempo juntos.
Este é o Jair!