sexta-feira, novembro 28, 2008

CURVA DE RIO

Na curva do rio é onde param todas as tranqueiras que despejamos nele. Se você perdeu alguma coisa um dia, vá até lá que provavelmente será encontrado.

Curva de rio é geralmente como chamamos as minas que não são muito atraentes.

Andei cansado do meu trampo. Dou aula numa academia e geralmente as academias ao contrário do que todos pensam só são freqüentadas por curvas de rio, claro, salvo algumas raras exceções. Mulher gostosa já ta ajeitada por ai e não precisa se matar de malhar. Mulher ajeitada não quer ficar melada de suor, rodeada de um monte de chimpanzés.

Trampar em academia é meio chato, nada de diferente acontece, ainda mais se não tem nada para apreciarmos, entedia mesmo. Até porque 80% de alunos matriculados são homens e a maioria um monte de bolados freqüentadores da vila Olímpia. Daí fodeu.

Cansado dessa merda toda, dia desses resolvi mudar de emprego. Trabalho pouco na academia e isso é muito bom. Sai de lá uma tarde e comecei andar pela rua procurando algum anúncio de precisa-se em alguma loja ou algo do tipo. Tava valendo qualquer coisa pra sair dali. Andei a tarde toda debaixo de um sol de rachar cocô de 40 graus. Esta temperatura em São Paulo, uma cidade coberta por prédios, onde não sabemos nunca o que é uma brisa, é mortal. Isso me faz mais convicto na fé, pra quando morrer ficar bem longe da merda do inferno.

Vi alguns anúncios de precisa-se em diversas lojas de diversas coisas. Em algumas tinha que voltar pra falar com o gerente e outras diziam que eu não tinha perfil. Fiquei cansado de ser recusado e do sol queimando meus pentelhos. Entrei num boteco, juntei umas moedas que tinha e tomei um suco de laranja, quente e azedo de dar nó. Vomitei a metade, ou mais. Deve ter atacado minha gastrite.

Sentei na calçada dois quarteirões dali e baixei a cabeça entre as pernas, sobre os braços. Acho que dormi, porque quando o senhor cutucou meus ombros e me acordou, pensei que fosse um delírio. Um senhor gordo de bigodão com aparência bem simpática. Me perguntou se eu precisava de emprego. Coincidência demais. É que eu tava tão sujo, cochilando sentado na calçada, que ele deve ter achado que eu fosse algum pedinte, sei lá e acabou se compadecendo. De imediato falei que sim. Pediu pra estar no dia seguinte no mesmo local às 6 da manhã. Gostei pra caramba. Liguei na academia e inventei que não estava bem e que não poderia trabalhar no dia seguinte. Não esperei a resposta e desliguei. Lembrei que também não tinha perguntado o que era o trampo. Só tava afim de fazer algo diferente. Ele falou que seria uma experiência e que se eu me desse bem, me registraria.

Não sou nada pontual, mas às 5h58 já estava lá na porta. Não fui o primeiro. O dia ainda estava clareando por causa do horário de verão. Tinha cheiro de café e bolo por perto. Devia ser dos tios que vendem isso em suas pequenas bancas. 6h01 o senhor apareceu e me chamou pra dentro. Só disse pra eu esperar que os caminhões encostariam ali na rua. Chegou o primeiro caminhão com um monte de sacos de cimento e areia. Eu e mais um maluco bem mais magro do que eu nos incubimos de descarregar tudo aquilo. Em 3 horas terminamos tudo. Achei que já era. Encostou outro caminhão. Falei “moleza”. Este só tinha saco de cimento e cada um pesa em média 50 kg e chegam mais de 300 sacos em cada caminhão. Este demorou bem mais de 3 horas. Depois outro, outro e outro. Só sei que o serviço todo terminou depois das 21h naquele dia. Tava morrendo de fome, de caganeira, dor em todas as partes do corpo e tudo mais. Não era de todo ruim. Valeu como treino.

Se todos os lutadores tivessem um trampo assim, seriam imbatíveis. Mas pra mim tava bom. Não penso em ser imbatível. Antes de ir embora, colei no tiozão e falei que não era pra mim e gostaria de receber pelo dia. Ele chiou e me chamou de bundão. Juro que se não estivesse todo dolorido e cansado do jeito que estava, teria voado no pescoço dele pra mostrar quem era o bundão ali. Mas do jeito que me encontrava o máximo que consegui foi dar um sorriso sem graça. Acho que se tocou que fiquei puto. Então sacou 20 pilas da carteira e me deu. “O quê?” Achei que fosse brincadeira. Ele disse que se eu quisesse ganhar mais do que aquilo teria que estudar pra não ter que trampar de peão nunca mais. O problema é que já estudei pra cacete e realmente não ganho mais do que aquilo por dia, mas também não trampo nem a metade disto por dia. Quase mandei ele enfiar no cú, mas aqueles 20 pilas dariam pra comprar uma cartela de dorflex pros dias seguintes. Cheguei em casa, liguei pra academia e prometi que nunca mais ficaria doente repentinamente.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Sejam bem-vindos!

Àस VEZES

Quantas vezes quase fomos atropelados porque a garota do outro lado da rua é sempre bem mais interessante do que o semáforo e o carro que vem feito uma bala em nossa direção. Milhões de outras vezes quase morremos por elas de outras várias formas e nem se quer somos notados. Perdi as contas das vezes que eu quis convida-la para ser meu par nos bailes da escola, mas não o fiz por causa de um bendito frio na barriga. Várias vezes enviei bilhetes sem assinatura e nunca recebi sequer uma resposta. Sempre me disseram que filmes não fazem bem, mas sempre os assisto, sempre os odeio. Por causa deles fico esperando o carteiro jogar cartas de amor por debaixo da porta, ou passo o dia clicando com o mouse no botão atualizar da minha caixa postal, com a absoluta certeza de que aparecerá um extenso email com declarações da tão sonhada garota. Tantas vezes lhe telefonei e fiquei em silêncio só pra ouvir a doce voz do outro lado da linha. Todos os dias me sinto incompreendido. E na verdade só queremos alguém pra cochichar em nossos ouvidos canções silenciosas, ou nos acompanhar no supermercado, ajudar escolher roupas e cuecas no armário. Na verdade só queremos alguém pra abraçarmos e chorarmos, apertarmos e dizer o quão importante e feliz ela faz nos sentir. Alguém pra dividir sonhos e ler poesias. Sou um cara jogado na calçada com uma blusa xadrez, calça jeans e um par de tênis velho. Sabe aquela garota que gosta da estrada, do vento soprando no cabelo? Aquela garota que dorme com a gente em qualquer pardieiro. O frio berra lá fora, enquanto aqui um calor desgraçado. Lágrimas descem como um alpinista desgovernado. É uma sensação de solidão. Não escolhi isto. É apenas um hábito.