Eu e Pedro Lucas. Um grande brother da infância.
A primeira vez em que me arrebentei pra valer foi quando ganhei a primeira roupa de um super herói qualquer. Acho que era o Capitão 7. Só não me perguntem quem era, porque até hoje não sei. Tinha o 7 na capa e me denominei assim. Devia ser a mais barata que encontraram. Encomenda da 25. Fiquei feliz pra cacete. Esperei todo mundo sair fora e consegui subir no telhado de casa pela torre da antena. Década de 80. To chutando alto se disser que tinha 6 anos de idade.
Esta não é uma história diferente da maioria das crianças da minha época e sei bem disto.
Lembro claramente do frio que tomou conta da minha barriga, quando vi o tamanho da encrenca em que eu tava me metendo. Só continuei porque na minha imaginação lúdica infantil, tinha a certeza de que a capa não deixaria nada de ruim me acontecer. Daquele instante tenho apenas a recordação de um grito. O meu. E flashes de rostos apavorados ao meu redor. Foi ai que inconscientemente devo ter entendido a questão da gravidade.
Essa obsessão me perseguiu por muito tempo, na verdade resquícios dela ainda estão em mim. Nunca tive muita noção do perigo. Devo ter os ossos muito fortes, porque nunca sofri nenhuma fratura exposta, mas foram incontáveis às vezes em que acordei numa cama de hospital espetado por uma porrada de agulhas de soro, depois de várias outras tentativas perigosas e obviamente frustradas.
Cresci com a certeza absoluta de que salvaria o mundo. Do que? Do monstro do pântano? Achava que poderia acabar com todo o mal. “Sem noção”. Como nunca tinha o que fazer, passava o dia assistindo aos super heróis e minha cabeça ficava cada vez mais cheia dessas baboseiras.
Esse deve ter sido um dos motivos em me envolver tão cedo com as artes marciais. Bruce Lee, McGyver, Ninjas, Jaspion, Changeman, Jiraya, Demolidor, Super Homem, Homem Aranha, Batman, ops, Batman não. Não gostaria de ter aquele tipo de intimidade com o Robin.
Ficava ligadão nos treinos desses malucos na TV e armava tudo igual no fundo de casa. Morava numa simples casa de cerca de bambu podre, numa pequena vila de Campinas. Tinha um grande quintal que dava fundo pra um enorme pasto de uma fazenda gigantesca. A mesma fazenda onde o “Boi Falou”, e que virou uma lenda folclórica. Outro dia conto isso. Minha coroa ficava louca com as arapucas que armava no seu jardim.
Pra passar por treinamentos semelhantes ao do exército, fui ser guia florestal. UGFB (União dos Guias Florestais do Brasil). Imaginei que pudesse acrescentar muito na minha formação de herói. Que léro-léro. O pior é que o bagulho era puxado mesmo. O cara que coordenava esse troço era meio psico. Levava a gente lá pras matas do fim do mundo, onde armávamos um acampamento selvagem pra ficar por pelo menos 15 dias. Dormíamos no meio do mato e comíamos a própria caça etc. E não é marmelada isso. Comi muita rã. O cara devia ser algum desertor e queria formar uma equipe de guerrilheiros, com moleques de 9 a 15 anos. Cai na armadilha, mas curti muito. Voltava pra casa depois dos acampamentos bem mais magro do que já era e com a cabeça cheia de piolhos. Apesar da farda, era tudo bem diferente dos escoteiros. Bem mais punk. A gente achava os escoteiros uns mariquinhas.
A curtição eram os sábados de manhã, quando saia com a minha farda e percebia que todo mundo ficava olhando no bairro. Sentia-me qualquer um dos personagens de Platoon. Fodástico. Ainda mais que o filme tinha acabado de estreiar e tava bombando nessa época. Esperava pelos sábados, mais ansioso do que o natal. E olha que papai Noel me enganou por anos a fio.
Tinha fé absoluta de que essas coisas poderiam definitivamente me transformar num herói imbatível. A gente atravessava uns lagos fundos feito bicho preguiça pendurados numa corda de cipó. Rastejava na lama de porco e ainda tinha que meter a cara nela. Comia com neguinho vomitando na sua frente e não podia fazer cara feia. Fazíamos caminhadas de até 30 km no deserto debaixo de um sol de 100 graus Celsius, sem água e com uma mochila de quase uma tonelada nas costas. As viagens eram todas dentro de trens cargueiros e que levavam dias pra chegar ao destino, nas piores condições possíveis. Com menos de 10 anos sobrevivi a isso. Não sei o que aconteceu com o Liro, o coordenador e nem com o resto da rapaziada. Nunca mais ouvi falar da UGFB. O cara só pode ter sido preso.
Demorei muito, mas muito mesmo pra entender, que esse lance de super poderes não existe. Mesmo depois disto tudo. E na verdade, tudo que era semelhante a essas loucuras, me atraia. Insisti muito. Quis ser soldado, bombeiro, médico, aliás, num momento tinha certeza de que seria médico e rodaria o mundo salvando a vida das pessoas. A intenção maior de ter super poderes na minha ingênua cabeça dente de leite era essa. Ainda ficava torcendo pra acontecer um incêndio, só pra ver os bombeiros em ação. Uma vez possuído por muita coragem, ofereci-me pra ajudar. Riam, leitores.
Também quis ser jogador de futebol, de basquete, rugby etc., não sei o que tem a ver, mas quis ser. Fui lutador profissional, técnico em mecânica industrial, animador de festas infantis, professor, pirofagista, malabarista, acrobata, serelepe, manejador de nutchaco e atualmente sou ator. Ufa!
Foi a maneira mais errônea que encontrei pra poder ser tudo isto.
Não sei realmente se é uma profissão útil, mas agora não me interessa mais, porque já não sei fazer outra coisa. Se fosse mais jovem, talvez me jogasse no exército ou aeronáutica, ou tentaria ser desativador de bombas, mas neste momento só da pra ser isso. E quando quiser posso ser os heróis fantasiosos dos desenhos animados. Só assim pra enganar a frustração. Maldita herança deixada pelo tempo.
Não quero terminar isso sem confessar uma coisa, que ta engasgado há muito tempo. Não tenho mais noção das porradas que tomei, mas acreditem, no fundo, no fundo, ainda tenho esperança, de ser picado por uma aranha de laboratório e começar a subir nas paredes e soltar teia pelas mãos. Ou encontrar por ai alguma pedra de outro planeta que solte uns troços que quando eu encostar me faça voar, ou ter força suficiente pra levantar uma manada de elefantes com um braço. Ou... sei lá, um poder que com o estalar de dedo posso ter e fazer tudo o que quiser, como o gênio da lâmpada. Esfrego muitas ainda por ai. Como dizia Juba e Lula, num lençol que cobria minha cama. Ser herói, não é apenas ter super poderes, é muito mais e bla, blá, blá... não lembro o resto. Esse papo também não me interessa. Eles eram uns imbecis surfistas. Não entendiam nada de super heróis, mas bem que quando moleque eu até gostava. Merda.