terça-feira, janeiro 12, 2010

COXINHA DE MADRUGADA

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Ia comer só um pedaço de pizza. Tava resolvido e ponto final. Eram mais de meia-noite. Encostei no balcão de um boteco qualquer e pedi um pedaço de portuguesa pra uma garçonete morena e lábios grossos. Devia ser decendente de índia. Veio um pedaço pelando que ela havia acabado de esquentar no microondas. Tudo despencando, queijo pingando. Saboroso. Enquanto eu a degustava percebia que estava sendo observado assiduamente.

Fiquei um pouco incomodado. Não sabia muito pra onde olhar. Tentei procurar moedas no bolso, dar nós nos canudos em cima do balcão, quebrar palitos de dentes, ver mensagens no celular e principalmente me concentrar na refeição, tudo pra tentar disfarçar, mas foi pior.

Começou a apelação. De dentro da estufa ao meu lado, uma imensa coxinha de frango não parava de me assobiar. Fiz de conta novamente que não era comigo. Ignorei-a mesmo. Fiz jogo duro. Paguei de gostoso. Tipo o gaúcho do youtube. Assim talvez ela pudesse desistir. Parecia que tanto esforço era em vão. O pedaço de pizza até até que tava bom, mas já tava acabando, pra minha infelicidade.

Comecei a tramar um jeito de derrotar a gostosinha, mas a pressão era tanta que não conseguia pensar em nada mirabolante naquele instante. Tipo adolescente apaixonado quando é atacado de uma gagueira, ou de um silêncio, ou de um monte besteiras quando se vê frente a frente com a tão desejada mulher da sua vida. Só fala merda e quanto mais tenta acertar, pior fica. Enfim... É humilhante, mas tenho que confessar que tava bem irresistível. Não queria parecer tão fácil depois de todo charme que tinha feito.

Eu tava extenuado esta noite e tudo que queria era chegar logo em casa. Tinha acabado de vir de uma grande rotina de trabalho. Por isso meu estômago tava semelhante a uma escola de samba, de tanto barulho que fazia. Certeza que as pessoas passando pela rua me olharam estranhamente porque ouviram a barulheira da minha barriga.

Os assobios ficaram mais constantes e estridentes. Ela mostrava-se disposta a não desistir tão facilmente. Achei um pouco vulgar até. O foda é que tinha só mais um pequeno pedaço de pizza no prato e eu não sabia mais o que fazer, o samba no meu estômago continuava igual. Olhei pro relógio e já tinha passado mais de meia hora que eu estava ali naquela briga contra a safada e inofensiva coxinha.

Saquei a carteira do bolso com uma velocidade fora do comum. Habilidade que adquiri na época em que via todos os filmes de western possíveis. Recontei os trocados.

Dei um forte suspiro e pensei, pensei e pensei... olhei-a novamente de esgueio, só com as beiradas dos olhos. A infeliz, mais uma vez correspondeu ao olhar. Pra que? Ai foi a merda. Essa palhaçada deve ter durado umas duas horas. Tarde pra cacete. Resolvi dar uma chance. Elegantemente chamei a garota que me atendeu. Num volume baixo de voz e com toda discrição possível apontei. Ela sorriu, com muita classe e se aproximou da estufa. Lentamente abriu-a e com muito cuidado tirou-a lá de dentro, colocou num prato com guardanapo e serviu-me. Tava molhadinha.

Era linda, mas tão linda que inicialmente fiquei com um pouco de pena de cravar meus dentes ali. Fechei os olhos e sem pensar muito aboncanhei. Ouvi-a rindo, um riso feliz, como se eu estivesse massageando sua barriga com minha boca. Confesso. Quase que rolou um amor a primeira vista.

Olhamos-nos pela última vez. Uma lágrima quase escorreu. Eu não resistia mais. Estava completamente feliz. Fechei os olhos só pra saborear mais gostoso e mandei a ver. Mastigava com calma, como nunca tinha feito antes. Tava tão boa que só me dei conta que terminou quando mordi meu dedo. Dei um grito de filho da puta muito alto. As poucas pessoas que ainda estavam por ali me olharam. Devolvi-lhes um leve sorriso. Levantei. Juntei as últimas moedas e paguei pela prostituta. Pronto. Missão cumprida. Sem constrangimentos, fui dormir. Era só do que precisava agora. O caminho até em casa ainda foi longo e durante o tempo todo só pensava nela, mas ela estava em mim. Pra sempre. Quer dizer, pelo menos até a próxima cagada. Há muito tempo não dormia tão bem assim.

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