Esse cheiro de fumaça que entra pela porta, vem da foto preto e branco que está queimando em cima do travesseiro no meu quarto. No vão da janela estão as mensagens escritas nas cinzas. Um telefonema, um email, ou a carta entregue pelas mãos do carteiro, não chegam. Sobre a linha do trem, com todo o cuidado pra não cair, uma criança de sorriso singelo, com uma viseira quadriculada e um grande laço do lado, caminha com o olhar distante, pra se manter longe de “Esta Propriedade Está Condenada”. Está feliz, brincando. Talvez nunca se sentirá tão leve assim. Em silêncio, faço de tudo pra não assustá-la, não quero desestampar o sorriso do teu rosto.
O trem apita e já é outro dia. Lá está ela, clara como flocos de neve. Agora com uma imensa flor presa do lado direito da cabeça. Dessa vez vou-me embora e muitos anos se passaram. Lembro-me de tudo como se fosse agora. Daquele passado registrado no retrato preto e branco. Lembro-me dela por causa dos olhos amendoados. Lembro-me que odeio filmes por isso. Fico querendo que cenas da vida aconteçam exatamente daquele jeito.
Se eu tivesse muita grana, compraria o tempo, pra ir e vir como bem entendesse. Iria pra um passado, não muito longe e acertaria os ponteiros com as merdas que fiz. Se eu tivesse muita grana mesmo, compraria uma passagem só de ida pra Tristeza até o espaço sideral. Daí distribuiria a Alegria em sacos de confetes pra todos os amigos.
Rio de mim. Da minha falta de senso. Vou sentar, e continuar observando o esforço dela pra não deslizar no trilho do trem. (Silêncio.) Olha (Espantado.) Agora ela fala com Monteiro Lobato e faz caretas pra Cuca. Como pode? Alma inocente de criança.
2 comentários:
Bom, um estilo está brotando forte, belo. Com certeza essa crônica não foi uma merda que fez. Viu, não vir nada das enchentes de São Paulo, o seu xará santo. Um abraço amigo, continue por esses trilhos de sua meninice, se chegasse ao espaço sideral poderia pisar as estrelas. Legal, o seu leitor Camilo.
E.T. quis dizer não virá nenhum texto sobre as enchentes.
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