domingo, junho 07, 2009

BITO

foto-de-carros-importados-2

- Nossa que “Changeman!”

- ???

Vou enviar uma carta pro Guiness. Tenho certeza que vou entrar como o perito em roubadas.

Quem me conhece sabe o perrengue que vivo. Tempos atrás, andei com a sorte perto de mim, descolei uma grana boa até. A grande merda é que não sabia exatamente o que fazer com tanto dinheiro. Aquele velho ditado: “quem nunca comeu melado, quando come se lambuza.” Estava cansado de ficar de busão lotado pra baixo e pra cima. Metrô é asfixiante. Como a grana era boa resolvi ir até a Av. Europa e comprar algum carro de lá. Claro, quem conhece a avenida deve imaginar o quanto de grana se gasta em algum carro por ali. Eu tava decidido, nem que fosse pra tirar da loja e revendê-lo no dia seguinte, mas queria pelo menos uma vez na vida ser dono de qualquer carrão. Fui numa loja de carros costumizados que há muito tempo cobiçava. Monstruosos. A tarde tinha passado no banco e sacado todo meu dinheiro pra fazer bonito na hora. Puta cagaço andar com tudo aquilo no bolso. Uma maçarola gigantesca de notas de 100 pilas. Descolei um belo terno, pra fazer uma panca e não parecer nenhum assaltante e comprei o possante. Paguei no ato e em dinheiro tirado do bolso na frente do vendedor. O cara ficou estático boquiaberto quando viu. Verificou bem as notas e certificou-se de que não eram falsas. Puta sensação boa.

- É que sou ator. – Expliquei.

Lá estava eu com o carango dos meus sonhos. Não acreditava. Era fim de tarde e não queria sair de dentro dele nem fodendo, vai que no dia seguinte realmente tivesse que devolvê-lo pra pagar o resto das contas. O sonho pode acabar. Fiquei rodando pela cidade horas à esmo. Comecei me sentir cansado. Resolvi que ia parar na vila Olímpia, já que nunca tinha ido lá. Sempre ouvi dizer que as garotas mais cheirosas e lindas freqüentam lá, em contrapartida são bem caras. Tinha sobrado um pouquinho de dinheiro. Cheguei. Estava tudo lotado. Abri bem os vidros do carro para todos me verem. Pelo retrovisor via as pessoas com os olhos grudados na minha máquina possante. Parei no manobrista. Deixei a chave e adentrei o recinto, lentamente.

Do outro lado da pista bati os olhos numa das garotas mais lindas daquela noite. Isto depois de horas lá dentro. Tava escuro demais e não consegui ver detalhes. Aproveitei minha alta autoestima comprada e sorrateiramente aproximei-me e cochichei em seu ouvido:

- A música aqui está muito alta. Gostaria de me acompanhar pra um lugar mais silencioso?

- Não.

Óbvio que ela diria isto. Faria seu jogo feminino. Nem precisei insistir muito e já estávamos esperando o manobrista trazer meu carro. Quando chegou, fiquei olhando-a de canto de olho pra ver sua reação que foi... deixa pra lá. Deixei o dinheiro e disse que o resto era comigo. Gentilmente abri a porta do carro para ela, dei a volta pela frente e entrei. Ela me sorriu pela primeira vez naquela noite. Foi só assim, sob a luz de néon que vinha do retrovisor central que pude ver que lhe faltava um canino. Fingi que não tinha visto aquilo, pra não constrangê-la e nem para me desanimar. Era muito investimento pro dia, pra acabar assim. Foi então que ela soltou:

- Nossa, você é um Changeman!

- ???

Existia a possibilidade dela ter um senso de humor bem aguçado, mas... Pra tentar descontrair perguntei se ela queria ouvir alguma música. Ela disse que adorava ouvir música no carro. Quis saber se tinha alguma preferência e ela disse que não. “Fodeu”- pensei. Deve ser do tipo que tirando sertanejo, axé e pagode, qualquer coisa ta bom. Eu não tinha nenhum cd no carro, então coloquei na 102.1 FM. Pelo horário era a menos mal. Estava tocando Beatles. Numa de puxar assunto, mandei:

- Você curte Beatles?

Pensou, pensou e depois de muito pensar:

- Bito, Bito, Bito... bom, assim de nome não to muito lembrada não, mas parece que é bom. Meio agitado, né?

Realmente ela não estava de gozação. Não tinha um humor aguçado e eu realmente tinha acabado de me enfiar numa roubada. Sem novidades. Achei melhor levá-la pra casa e me livrar logo da encrenca. O foda foi quando ela disse onde morava. Pra lá de Itaquera. Praticamente uma viagem. Mais longe do que Campinas à Artur Nogueira, ou São Paulo à São José do Campos. Um pouco mais foda, porque... o trânsito desta cidade dispensa qualquer tipo de comentário. “Caralho”. Lá fomos nós. “E agora? To fodido mesmo.”

No meio do caminho, eis que uma luz parece me iluminar e me surge uma idéia fenomenal.

- Você ta ouvindo esse barulho?

- Não.

- É alguma coisa estranha. Deve ser no pneu do carro.

Aproveitei pela última vez talvez, poder inflar meu ego.

– Merda, carro velho é assim mesmo.

Não dava pra terminar sem soltar essa. Parei.

- Fica ai. Vou dar uma olhada deste lado.

Fui, disfarcei e voltei. Sentei novamente, respirei fundo meio impaciente e ela numa de ser agradável, perguntou:

- E ai o que foi?

- Deste lado não tem nada. Dá uma olhada ai do seu.

- Claro – Sorriu.

Quando desceu pra olhar. Rapidamente bati a porta do carro. Travei e acelerei. Pelo retrovisor a vi acenando e depois desconsolada abaixou a cabeça. Achei até engraçado. Ela estava perto de uma estação de metrô. Quantas vezes não vi o sol nascer esperando um busão, enquanto vários playboys com seus carros possantes passavam por mim e tiravam um sarrinho. Ela não ia ficar na mão. Em meia hora os metros começariam funcionar. Não estava sendo nada cruel e nem queria me vingar. Só não ia viajar de madrugada. Eu tava cansado pra cacete. Afinal tive um dia de cão.

3 comentários:

Camilo I. Quartarollo disse...

Que obra-prima. De muitas das suas, essa corresponde a uma pequena síntese. Acredite, li toda, apesar de ser compridinha. Jovem rebelde, heim. Os beatles é realmente impossível não gostar se deles, mas quando a gente comenta com a garotada eles advinham a nossa idade. Será que ela não percebeu que você já tinha mais de trinta? Um abraço, Pankada.

Anônimo disse...

hahahahahahaahahaha.... Dessa eu lembro!!boa! ateh mais tarde...
Tiago

Pedro Pellegrino disse...

Divertidíssimo, hahaha. Pankadão escrevendo cada vez melhor. Forte abraço.