quinta-feira, junho 03, 2010

NEM SEI PORQUE LEMBREI DE NOEL

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Postei todas as lembranças perdidas por aqui. Dias depois o correio as trouxe de volta. O destinatário não se encontrava mais. Mudou de endereço, com sua pequena mala de couro e bolinhas coloridas. Ninguém sabe pra onde foi.

Eram muitos envelopes e em casa não tem espaço suficiente pra guardá-los. Joguei tudo pela janela, mas o vento as trouxe de volta. Ficaram dias esparramados pelo chão e em cima da cama. Por dias dormi sobre os envelopes até encontrar o baú que meu avô me deixou.

Meu avô morreu de amor em 1967. Tomou muita cachaça, mas foi o coração que não agüentou. Pelo menos me deixou o baú. Eu nasci em 1977, dentro de uma construção sem telhado. Chovia muito. Sai todo encharcado. O maldito espectro enrugado sorriu.

Meu pai disse que o velho guardava uns troços estranhos no baú e que ninguém nunca soube o que é. Meu pai foi um dos personagens das minhas histórias em quadrinhos. Usava um baita bigodão. Ele foi caminhoneiro. Não. Acho que lenhador. Não. Foi traficante. Não. Na verdade foi dançarino de tango. Melhor. Foi um baita de um filho da mãe gigolô.

Quando o abri, só tinha pó. Foi neste baú que joguei todas as cartas. Levei dias pra conseguir colocar todas ali. Estão todas socadas e trancadas com um cadeado de segredo e que nunca vi a senha. Joguei o papel com a combinação fora.

O problema é que também não tenho espaço pro baú, apesar de ser do tamanho de uma caixa de sapatos para casamento. Citei isso, porque não sei o nome que se dá a sapatos de couro especial, usado somente em ocasiões como esta.

Só sei que não posso me desfazer do baú. É uma boa herança. Um dia ele vai valer uns bons trocados. Mas essas cartas não me servem pra mais nada. Nem o vento as quer e nem lembro se um dia vou lembrar que estão lá. São apenas lembranças escritas a mão, guardadas em envelopes com selos com fuças de renas de natal. Que lacrimejam os olhos no vento, enquanto levam papai Noel, filho da puta, na casa de mais uma criança cheia de dinheiro.

2 comentários:

camilo irineu quartarollo disse...

Pankada, envie as cartas aos desconhecidos mesmo, quem sabe uma cai no destinatário correto, outras voltam ao remetente. Bem, que viagem interessante nesse baú antigo.
Um abraço.

Anônimo disse...

A vida é feita de lembranças, só não podemos deixar que elas nos dominem. Enviar cartas aos desconhecidos parece ser mesmo a melhor opção.