E essa semana rolou a apresentação do Homem Com a Bala na Mão. Apesar de todos os problemas técnicos gostei de ter feito. Sempre gosto. Tenho plena consciência de que a peça ainda tem muito o que amadurecer, mas sinto que isso vem acontecendo a cada apresentação, obviamente e por isso insisto em fazer. Enfim…
O legal disto tudo é que na platéia só tinha gente que gosto muito. A maioria conhecidos e alguns desconhecidos. Senti que o público curtiu e isso é o que importa. Essa peça tem uma história e é bem importante pra mim. Recebi alguns emails com bons comentários.
A Talita que vem frequentando a pouco tempo a praça e acompanhando e dando um baita apoio aos meus trampos, escreveu sobre a peça no seu blog. Ela é jornalista. Ta sempre com o Babu, que acho que São Paulo inteiro conhece. São as pessoas mais generosas que já conheci. Não tem tempo ruim e estão sempre apoiando e torcendo pelos amigos. A Talita é dessas pessoas inquietas, pensante. Ta sempre bolando alguma ação de causa nobre. Gostei bastante do que escreveu. Saca só:
“Já fomos perfeitos um dia: foi no exato momento em que deixamos o ventre...”
Hoje eu vi O homem com a bala na mão. Ele pensava em suicídio, mas antes de cometer um crime contra si mesmo, ele queria muito falar. Falar e nos fazer pensar. Ele abriu a porta da sua casa, nos convidou a entrar no seu quarto. Sentados ali, diante dele, presenciamos um homem com um pouco mais de 30 anos, desabafando seus ressentimentos.
Ele contou aos presentes algo sobre a vida e morte do seu pai, que abandonado pela mulher criou o filho por alguns anos, mas acabou com a sua própria vida ali mesmo onde estávamos. Sentado na janela, deu um tiro na cabeça.
Também ouvimos a história da vizinha que andava nua pela casa com a janela aberta, até fechá-la, deixando ele louco de desejo por ela. E na mesma janela, este homem viu um outro, que, sentado ali abriu os braços e se deixou levar, sem um grito, sem uma palavra, apenas inclinando seu corpo para a frente, e num piscar de olhos a vida se foi. Antes disso o que houve?
Quantos pedidos de socorro essas pessoas deram antes do crime final? Ninguém os ouviu? Alguém fez que não viu?
Notei que algumas pessoas saíram do espetáculo meio baixo astral, reflexivas demais. Eram pessoas que tiveram amigos ou conhecidos que chegaram ao seu limite e apertaram o gatilho. E pelo que conversamos sobre o assunto, a sensação que fica é essa mesma, de peso, de uma certa parcela de culpa por não ter reagido quando era possível fazer alguma coisa. Um abraço talvez, mudasse a questão. Estamos disponíveis pra isso? Quem quer se envolver?
De quem é a responsabilidade quando se dá as costas para alguém que precisa desesperadamente de um pouco de atenção?
O ator e autor do monólogo, Paulinho Faria, foi audacioso na escolha do tema. De fato, é fácil desprezar ou agir preconceituosamente com quem precisa de ajuda; em geral ou julgamos, ou fugimos do assunto.
É desagradável, assumo, não quero nem pensar em coisas do gênero. Mas às vezes vale a pena levar um tranco desses. A linda música que tocou no final do espetáculo, foi composta por um garoto muito talentoso que recebeu na internet apoio, numa dessas comunidades de apologia ao suicídio, para se matar. E ele o fez!
No início do espetáculo o ator colocou no chão, num canto estratégico, um papel dobrado, e nos disse que era uma carta para ser lida quando ele se fosse. Quando tudo acabou, alguém pegou o papel do chão, e lá estava o relato deste caso, um entre tantos milhares que desprezamos.
O tempo todo o movimeto e o tom da luz avermelhada, o sutil som da goteira e do tic-tac interminável, despertavam no público tensas sensações . Que incômodo! Paulinho Faria estava tão entregue quanto envolvente. Eu diria que foi desagradável, e por isso mesmo um grande espetáculo!
Meu coração demorou uns 20 minutos para desacelerar! Isso porque o texto aborda questões como o silêncio, o tempo, o momento, o estado da felicidade, e a morte como sendo o fim ou o começo de algo novo. Ele assusta com as reações flutuantes do seu personagem, que despeja sobre o público o que pensa, o que sente.
E para complicar ainda mais, propõe ao público que tudo aquilo não passe de uma grande mentira, que ele possa estar brincando conosco assim como nós brincamos com ele ou com outras pessoas o tempo todo. É sério! Que tipo de trocas andamos fazendo hoje?
Aquele cara estranho, que vive trancado no seu canto, pode estar com a bala na mão. Se você perceber, por favor, não o despreze, talvez um gesto simples, como um abraço, possa ajudar.
OBS:
A apresentação única aconteceu em 24 de agosto, com a casa cheia!
Tinha gente sentada até no cantinho da escada. Acho que alguns não compreenderam, outros ficaram chocados, era espetáculo ou não era? Ele se matou ou não? Se houver uma segunda chance, eu aviso para voce mesmo testemunhar os fatos.
Parabéns ao grande ator e agora autor!!!