Vou sempre escrever sobre o pôr do sol, fins de tarde e a gelada brisa que os acompanha. Vou escrever sempre sobre a av. Rebouças gritando dia e noite aqui na minha janela. Vou escrever também sobre a dor da partida e o aperto da saudade. Sobre as galegas gostosas que desfilam seu novo rebolado vindo por encomenda do Paraguai, pela Faria Lima, antes da lua chegar.
Também virão em meus textos lágrimas, tristezas, obviedades e muita pouca alegria. Os churrasquinhos de gato vendidos no largo da Batata com cerveja barata dentro de um pão francês do mês passado.
Quero também contar sobre as baratas que já esmaguei na calçada do cemitério da Dr. Arnaldo. Gosto desta cidade, das luzes dos postes, da canção caipira de quando eu morava na roça.
Vou desenhar com lápis monocromático em papéis recicláveis o que eu não souber escrever. Matar pernilongos zombeteiros com os olhos fechados e a luz apagada no meu quarto. Comprar sapatos com saltos hidráulicos para uma pequena qualquer que saiba montar a cavalo e tenha olhos verdes.
Continuarei sonhando como quase todos os dias despretensiosamente. E sem medo algum vou escrever mais coisas sobre a morte, cangurus, coalas e guaxinins australianos que sempre quis ter. Amanhã... ops, deixei escapar... o amanhã...
Enquanto o café com leite em cima da mesa mancha as folhas do caderno que deixei aberto, eu separo com vírgulas as roscas de nata que encontrei escondido num velho pote de alumínio dentro do antigo baú do meu avô.
Não faltará também nas minhas linhas escritas a constante saudade da minha coroa. Ah, falarei mais sobre meu irmão nipônico-alemão e sobre um pai bandido que foi degolado na porta da sua casa.
E no final do conto, quando estiver faltando um parágrafo apenas pra terminar escrevo sobre as cachoeiras que levaram embora diversas vezes uma porrada de piolhos incrustados no meu pichaim.
Escreverei sobre os dias da pré-escola e primeira série. Sobre o primeiro amor e o último que eu sempre conquistava dançando quadrilha.
Já fui padre, rei, rico, pobre, soldado, ladrão. Já derrotei batalhões. Já chorei todos os dias e sorri também. Às vezes tenho câimbras de tanta alegria.
Vou sempre escrever, mesmo quando não tiver o que dizer. Continuarei mandando cartas e enfrentando a imensa fila dos Correios. Vou escrever isso que estou escrevendo agora. Uma pausa.
Até... quando?
3 comentários:
Pausa...até quando? Até uma necessidade imperiosa de existência fustigar em derredor e exigir que escreva como um anjo manda a um S.João, é o apocalipse, não o fatal, mas o de sinônimo de revelação. É preciso revelar e não levar o mistério embora, embora sempre se o leve.Um abraço.
eu queria escrever sobre o céu.
mas na verdade estaria escrevendo sobre mim.
Escreve ai mano. Pois eu estou sempre lendo...
Abraços.
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