segunda-feira, novembro 22, 2010

PELO CENTRO DA CAPITAL

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To lendo Pulp de Bukowski. Na verdade ando lendo uma porrada de livros ao mesmo tempo. Santo Agostinho; O Livro de Ouro da Mitologia Grega; um sobre Fotografia; mais outros dois do Buk, sendo um de poesias e outro de contos. Não assimilo quase merda nenhuma e há muito tempo não consigo acabar com nenhum. E não sei o porquê continuo.

Enfim. Sinto-me meio culpado por ter sido relapso o ano inteiro com a literatura. To querendo amenizar essa culpa de alguma forma. Só pode ser isso. Andei, quer dizer, ando meio desinteressado com as coisas.

Essa minha falta de inspiração pra escrever foi quem me moveu a encher o chão ao lado da cama desses livros malucos. Também pode ser isso. Mas percebo que nada tem mudado.

Moro na zona Oeste da maior cidade do Brasil. E tenho ido frequentemente ao centro atrás de algum emprego de camelô, faxineiro, pedreiro ou garçom destes restaurantes que servem PF a 3 reais. Não sei se vão me empregar por causa do meu cabelo. Eles devem achar que coleciono piolhos nele e que podem infectar a comida dos clientes. Sempre que perguntam o que quero e digo que to atrás de um trampo, olham-me com uma cara de dez pras cinco. Eles também devem achar que estou de brincadeira. Ou sou eu quem acho que eles estão brincando comigo?

To andando pra cacete pelas ruas. As solas dos meus sapatos estão todas gastas, mas isto tenho resolvido forrando-as com papelão e jornal, só que mesmo assim sinto uma puta dor quando piso em alguma pedra desavisada. Em resumo, não é o suficiente. Quase que a porcaria de um prego enferrujado furou meu pé. E ter o pé furado por um prego do centro da cidade é decreto de morte. É tétano, desinteria, fibrose, fimose, cólera, febre tifóide, malária, escabiose, gastroenterite, leptospirose e poliomielite. Não deve dar tempo de gritar “ai”, cai duro antes.

Tempos atrás prometi a mim mesmo de escrever um livro de contos sobre histórias de busão, já que tenho várias. Mas chego em casa tão cansado que falta-me coragem. Não sei por onde começar nenhum dos contos.

Às vezes até arrisco começar, mas não passam de duas linhas. Desaprendi o que não tinha aprendido. Então coloco uma dessas músicas antigas, pra ver se a melodia me ajuda a preencher o papel, mas não adianta. Acabo entrando numa outra viagem.

Saciei a fome da tarde de hoje com um desses churrascos gregos especiais que vendem ali perto do Teatro Municipal, mas vejam bem, não é um churrasco grego qualquer, é ESPECIAL, pois acompanha vinagrete, suco de maracujá, laranja ou limão e tem um sabor diferente. E tudo isto por apenas uma prata e cinqüenta.

Em Pulp to na parte em que o detetive Belane ta resolvendo o caso da mulher alienígena. Jeannie Nitro.

Como cada role de busão é uma viagem aqui na capital, aproveito e dou uma acelerada na leitura. Mas to sempre atento a todos os acontecimentos. Torço para que coisas inusitadas aconteçam por perto pra eu poder escrever algo depois. Ando sem sorte. Às vezes ir e voltar do Rio é mais rápido do que ir e voltar do centro da cidade. Isso porque não dá nem dez km daqui de casa. Eventualmente faço isso. Quando to com preguiça de ir pro centro pego um busão lá na rodoviária Tietê, vou até o Rio, tomo um sol na testa e volto.

Bom, voltamos ao que interessa. Esta parte do livro é meio bizarra, ou melhor, digamos nonsense. A mulher que Belane está procurando pra poder fazer desaparecer da vida de um sujeito aparece e desaparece o tempo todo, do nada, além de ter o poder de congelar os movimentos das pessoas, se bilocar e outros mais que não consigo lembrar agora. E é uma baita de uma gostosa. Pelo menos pela descrição. Os habitantes de Zaros querem dominar a Terra, pois o país deles está superlotado. Na verdade eles estão só disfarçados de humanos, pois são seres sinistros que mais lembram uma serpente.

Acho que por causa do churrasco grego de hoje fiquei meio pesado e com isso sonolento e acabei dormindo no busão com o livro na mão bem na hora que tava encerrando este capítulo. Tive sonhos estranhos. Ronquei pra cacete. Acordei assustado com a garganta toda arranhada e um monte de babacas olhando pra minha cara, como se nunca tivessem roncado num busão. Encarei todo mundo. Ia descer no próximo ponto.

Uma menina linda com as bolotas de um verde tão forte e os lábios bem vermelhos e grossos tava passando pela catraca. Fiquei olhando-a. Ela estava com a cabeça coberta pelo capuz da sua blusa cinza de moletom. Cheio de cadernos na mão. Quando se aproximou, ela abaixou o capuz e vi que seu rosto todo estava preenchido por diversas cicatrizes. Pareciam marcas de navalha. Imediatamente lembrei do conto A MULHER MAIS LINDA DA CIDADE e também de Jeannie Nitro. Não digo que era realmente a Mulher Mais Linda Da Cidade, porque esta eu conheci num sábado passado de alguns anos atrás na festa de aniversário de uma amiga dentro de um açougue. Quis puxar assunto e perguntar sobre as marcas no rosto, mas não dava mais tempo.

Quando desci da porcaria do ônibus sai trombando todo mundo. Mostrei o dedo do meio pra um filho da mãe que ficou me olhando da janelinha. Ele me mandou tomar no cú. Foi isso pelo menos que li em seus lábios. Esses caras não tem originalidade nenhuma. Exatamente por isso não o puxei pelo pescoço e quebrei sua cara.

Eu tava muito inquieto com aquilo e logo em seguida ao atravessar a rua, na minha direção vinha uma menina com uma roupa toda preta colada no corpo e os cabelos vermelhos, mas um vermelho bem estranho, bem alienígena mesmo. Imaginei que tudo isto pudesse ser algum sinal. Mal sinal. Sai correndo. Entrei num supermercado e me escondi atrás de uma prateleira de utensílios domésticos. Ela também entrou e veio na minha direção e estendeu a mão como se fosse puxar o meu cabelo. Gelei. Mas ela apenas pegou um vidro de alvejante e saiu. Não me viu, mas com certeza levou uns fiapos do meu cabelo junto.

Foi bom pra perceber que não era nenhuma alienígena. Eu é que tava noiado com essa história. Era só a mina que namora um coxinha aqui do meu prédio. Mas quem pode me garantir que ela não é mesmo uma extraterrestre. Eles formam um casal bem estranho. Não falam com ninguém. Devem ter hábitos pra lá de anormal. Dane-se. Ainda bem que não falam com ninguém. E nem deveriam. Prefiro vizinhos assim. Mudos. Comprei um pacote de bolacha de doce de leite só pra disfarçar e sai mastigando-a.

Segui rumo a minha casa que fica a 50 metros de onde eu estava. Tentei lembrar do sonho no busão, mas não cosegui me recordar de nada. Ah, lembrei... Já esqueci. Não quero ficar inventando coisas que não sonhei só pra preencher esta história comprida.

Mas lembrei de ontem que também tinha ido dar um role no centro pra comprar um celular Xing ling. É infinitamente mais barato e ainda por cima tem televisão. Posso ver todo o campeonato brasileiro de onde estiver, apesar de não me ligar em futebol e não torcer pra nenhum time específico. Rodei pra cacete pelo centro, num ritmo alucinado. Tentei ver um filme especial que só tem nessas salas de cinemas caindo aos pedaços do velho centro. Não deu certo. Ainda bem. Nem sei onde tava com a cabeça de pensar em entrar numa dessas salas em que se a gente sentar corre o risco de ficar colado depois. Tenho uma amiga que disse pra mãe dela que ficou grávida depois de ter sentado numa dessas poltronas. Saindo dali entrei num pico só pra dar um cagalhão. Vou contar.

Depois de tanto andar resolvi entrar num lugar pra tomar uma breja. Tinha combinado com uns brothers que furaram.

Adentrei o recinto, olhei em volta, vi uma porrada de gente estranha que pareciam não falar português, nem latim, espanhol ou italiano. Todos de terno e gravata. Eu tava fodido. Eu só entendo essas línguas que citei.

Mais ao fundo vi uma escada e subi-a. No final dela tinham duas portas que pareciam que me levariam ao banheiro. Entrei numa delas. Nem vi se era masculino ou feminino. Não tinha ninguém. Encontrei a privada, abaixei as calças e deixei tudo que era de ruim que estava em mim naquela tarde descer. Um alívio fenomenal. Limpei a bunda, subi as calças, apertei a bomba e fui embora. Dei mais uma olhada pelo bar. Desanimei. Ali tinha cara de que nem uma briga iria acontecer. Não podia mais perder tempo. Cai fora. Tomei uma breja num boteco na outra esquina. Sai dali bem na hora que uma porrada de punks encrenqueiros estavam chegando. Já um pouco distante ouvi barulhos de garrafas sendo quebradas.

Segui pela Augusta e vi uma puta ouvindo walkman. Tinha uma lágrima pendurada em seu queixo. Abordei-a. Ela fugiu. Corri atrás, agarrei-a pelo braço. Dei um pedaço de guardanapo que eu tinha furtado lá no bar. Dei-lhe um beijo no rosto e segui. Ela me xingou. Eu queria apenas saber o que ela ouvia.

Peguei o primeiro ônibus que passou. Saquei o livro da mochila e continuei a lê-lo. Não prestei muita atenção nas pessoas no ônibus desta vez. Não prestei atenção na rua. Tava noite e tinha chovido enquanto fiquei lá dentro. Dava pra ver a lua numa poça no asfalto.

Cheguei em casa e dormi. No dia seguinte acordei e voltei pro centro, onde tudo o que contei acima aconteceu. De outro jeito, mas aconteceu. Este eu inventei. Enquanto eu caminhava só pensava que precisava escrever algo. E saiu isto. Levei dias, mas saiu.

Quando eu era moleque tinha mais histórias pra contar. Depois de velho fiquei meio bundão. Poucas histórias. Ando freqüentando lugares bestas.

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