quarta-feira, maio 13, 2009

ESTA COROA VALE OURO

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Minha mãe passou os dias das mães aqui em casa comigo. Fui mais presenteado do que a presenteei. Desde moleque sempre ficamos muito distantes. Coisas da vida. Enquanto ela ia tentando acertar a vida eu morava com uns tios e tudo mais. Ela casou e já me tinha. A família do marido não aceitava muito a situação. Então pro negócio ir se alinhando, eu passei uma parte da infância em Taubaté com suas irmãs. Devo ter ido morar definitivamente com ela aos 5 ou 6 anos de idade. Com 14 anos eu já tinha decidido morar fora pra estudar em outra cidade. Fui. Quando me formei, ela foi morar fora do país com o marido e o outro filho. Dai em diante, conseguimos nos ver vez ou outra. Eu continuei rodando e hoje estou em São Paulo. Há quase 10 anos. Vida nomade. Quase 15 anos se passaram e ela está de volta. E sempre que pode vem ficar uns dias comigo pra fugir da rotina interiorana, casamento saturado etc. E ter a companhia um do outro.

É emocionalmente desequilibrada, mas é a pessoa mais figura que conheço. No café da manhã já abre logo uma latinha de cerveja e só pára pouco antes de dormir. Nem comida ela bota pra baixo. Não sei como consegue. Fuma que nem um gambá. Acho que o organismo dela já está invulnerável.

Mês retrasado veio pra passar um dia comigo e acabou passando 7. Veio só com a famosa bolsa de mulher. Sem roupa nenhuma. Pegou meus moletons emprestados e tudo mais. Sou bem maior do que ela. Ficava parecendo vocalista de Hip-Hop nas minhas roupas. Andando pelo quarteirão encontrou umas coisas baratas e descartáveis pra vestir e assim foi. Acordava cedo, preparava o almoço, pegava uma cerveja e descia. Sentava na frente do prédio com o Jair. O Jair é um cara legal que vem todos os dias pra cá. É aleijado das pernas. Nasceu assim. Todos da região estão acostumados com ele. O pessoal passa, o cumprimenta, bate um papo e deixa uma moeda. Sujeito alto astral pra caramba. Carismático. Minha mãe pagava umas brejas pra ele e ficavam lá a tarde toda dando risadas.

A coroa estudou pouco na vida, mas é capaz de fazer qualquer um rir. Quando exagera na bebida fica um pouco pedante e agressiva. É de longe a pessoa mais acolhedora que conheci até hoje.

Tinha acabado de tirar a carta de motorista. Eu devia ter uns 9 anos. Moravamos em Campinas. Ela me acordou de madrugada chorando. Encheu o carro de comida e cobertor. Era uma noite de inverno. E fez eu ir com ela até o Taquaral pra deixar aquelas coisas pra uns moleques que tinha conhecido na rua naquele dia. Quando os viu jogado na calçada, começou chorar, os abraçou, cobriu-os com os cobertores, deixou comida, falou um pouco e quando eles voltaram a dormir, partimos. E aquilo nunca mais saiu da minha cabeça. E muita coisa em mim mudou por causa disso. Ela deve ter lembrado a infância dura que teve na rua. Ficou órfã com 13 anos e dai teve que se virar. Passou fome e a merda toda.

Não quer que ninguém passe pelo que passou. Não me assusta o seu desequilibrio emocional, mas tem hora que é foda de aguentar. Apesar de tudo, é a pessoa mais especial da minha vida. A única coisa que quero é que ela dure muitos anos ainda, pra eu poder de alguma forma retribuir a tudo que já me fez. Pra eu poder ter sua companhia sempre por perto. Porque até que enfim agora vamos conseguir passar mais tempo juntos.

9 comentários:

Pri disse...

PAULINHO, que texto lindo sobre a sua mãe. Me emocionei mesmo.
beijos, te adoro.

Marina F. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marina F. disse...

Tive a oportunidade de conhecê-la. Cheguei na sua casa e você não estava, foi no final do ano passado, final da temporada da nossa peça, lembra? Uma cerveja e uns dois cigarros com ela, eu já sabia mais sobre você do que vc havia me passado em três meses de amizade. Ela me deu vários presentes, contou da vida dura no Japão e o que mais me impressionou foi o amor que sente por você. Mãe de verdade. Não importa o desequilíbrio, as porradas que já tenha levado: o amor que sente pelos filhos e a força dessa mulher realmente são exemplos que eu levarei pra sempre. Grande mãe e grande filho, sou fã dessa família.
beijos.

Vivi Motta disse...

Sogrinha é tudo!

Camilo I. Quartarollo disse...

Paulinho, prazer em conhecê-la. A Luzia comentava dela, que morava fora, no Japão; mas agora, você, jovem maduro, consegue colocar as coisas no tom desejado e num texto que não deixa dúvidas de quem ela é na sua vida. Um abraço.

Pedro Pellegrino disse...

Muito bacana a sua mãe, uma figuraça. Grande abraço, Pankada.

Fabiana Mendonça disse...

Lindo texto, mermão.
Beijo grande.

lainequeiroz disse...

Amei o texto, ela merece...

Anônimo disse...

Leva ela pra ver a Velha. Só confirmar, tem hoje quarta-feira e amanhã.
Deixo o nome de vocês dois na bilheteria.
Falou?
Abraço,
MM