Tava lá o corpo como em todos as manhãs desta semana. Estendido sobre a calçada aquecida pelo forte calor do sol. Numa esquina a 50 metros de casa. Não faço nada. É foda. Pensar que quando criança tinha certeza que seria um super herói e salvar o mundo, eis o motivo de me interessar tanto por lutas, talvez. Levava a sério, eram treinamentos intensos que chegavam até 8 horas por dia. Só faltava aprender voar e estava convicto que conseguiria. Quebrei a perna na primeira tentativa com o lençol vermelho da minha pequena cama. Não é nenhum clichê embora soe como, aconteceu mesmo. A casa tinha bem mais de 3 metros de altura. Todas as minhas fantasias se afundaram como um suicida com uma pedra amarrada no pescoço sobre uma ponte do tórrido oceano.
Foi duro quando percebi que não dava pra fazer muita coisa. Como é duro ver aquele corpo deitado e não poder fazer nada, ou ouvir minha mãe chorando todas as noites por se sentir tão só e eu não estar por perto pra abraçá-la.
Uma hora depois quando voltava do trabalho, ele estava em pé, ou pelo menos tentando parar em pé, com um cabo de vassoura sob as axilas, por falta de muletas. Olhava pro nada. Maltrapilho. Encarei-o nos olhos e vi o projeto de uma vida desesperançada, ou não. Sou mestre em equívocos. Ele está abandonado ali há muito tempo. No mundo então nem se deve saber quanto tempo. Não pude fazer nada. Por que? Um dia é certo que não sobrará ninguém para contar uma história. Isso até pode ser um consolo.
Não convivemos diariamente com a morte, mas é foda quando ela passeia debaixo da sua janela. Hoje além daquele corpo quase sem vida, havia um outro corpo estilhaçado no asfalto pelando, exatamente sob a janela do sétimo andar do meu apartamento. Esse negócio mexe com a cabeça e parece que lá esta ela, te esperando saltar.
A rua estava tomada por bombeiros, policiais e enfermeiros. Olhei para todos os lados pra ver se eu a encontrava. Não tinha ninguém de capuz e machado na mão. Ninguém com um olhar suspeito. Eu sentia um frio na barriga, como se alguém estivesse falando ao meu ouvido. Tratei de sair dali rapidamente. E meu dia não foi mais o mesmo. Não sei de quem era o corpo, mas era de um senhor de mais de 60 anos que estava atravessando a rua, enquanto um outro maluco vinha numa caminhonete a mais de 70 por hora numa região que se é permitida só 60 por hora. Estava atrasado. Bateu com tanta força que o arremessou por cima de um carro. Do jeito que caiu ficou estatelado todo ensangüentado. Assusta. Espero que ela vá pra bem longe daqui agora.
Só assim paramos pra pensar o quanto somos mortais e que essa história de heróis não sairá nunca da ficção. Dói.
2 comentários:
Meus sentimentos. Mas você está vivo e bem, um abraço. Quanto a super-herói continua com hífen, mas não me lembro se herói tem acento, também não precisa eles voam. A visão de herói é a do homem grego, que acredita em destino. A vida é o fluxo da existencia, prefiro a visão do taoismo. Aja positivamente e não golpeie o vento, conduza sua força com ele. Bem, nem eu mesmo sei o que isso, significa, mas ficaria feliz se pudesse lhe disser algo cabível. Um abraço.
Precisa dizer nada não meu amigo. Tua presença aqui já diz tudo... grande abraço
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